domingo, 20 de março de 2016

Anjo Gaúcho





Foi a muito tempo, que um tipo, de chapéu aba larga e lenço preto,
trajado a preceito, numa balda, de quem vem da fronteira.
Gritando como se fosse de casa, e num passo compassado
em cima de um ruano, foi sem respeito, abrindo a porteira.

Nunca fiquei sabendo sua origem. Logo de primeira, foi pedindo pouso.
Contou uma história, de dor e sofrimento ao meu pai, de que vivia.
Eu ainda guri, e de longe, só bombeava como quem a qualquer momento, caso o pai precisasse, pegava ferro branco, e me ia.

Foi costeando o rancho, e numa lamuria, acabou por convencer. Meu velho pai, sempre caseriano, logo deu a sentença, deixando o sujeito posar.
De certo, em uma permuta, tudo se aprumou, bóia e um pelego, no trato, dos cavalos tosar.

Não existe vento ou temporal, muito menos o berro do animal, que possa parar meu pai na lida campeira.
De pronto, ficava de tocaia, queria entender este xiru, que do nada deu costado aqui no rancho, mas que porqueira.

Minha mãe, conhecedora de qualquer boia campeira, fez de um espinhaço de ovelha, o melhor mexido.
O sujeito, que se faz presente, no respeito que se exigia, pega seu prato, e sai pra rua, no pouco que se foi permitido

Aparício, seu nome, e a muito tempo, mas muito, já era veterano. O patrão velho, trás em linhas carvoadas a lida de cada um.
Meu pai, em dias, depois dos acontecidos, o céu abriu morada. Uma dor, minha dor, mais do que qualquer um.

Pois sim, isto até parece prosa de quem não tem o que fazer. Tudo verdade.
Eu cresci, e Aparício sempre ao meu lado. Pouco assunto e nenhuma maldade.

Aprendi o ofício nos costados deste bagual. Não tinha um dia, que não perguntava, o motivo de sua existência.
Traduzi esta história, em poucas palavras. Foi um anjo, "camperiano" ao meu lado na minha penitência.

Marcos Alves.

Se desejar ler outros versos, acesse este link: http://versosalmaepropriedade.blogspot.com.br/

sábado, 12 de março de 2016

O Fogo da História

Da faísca, surge o fogo que ilumina o breu
O mesmo que marca o chão, e atiça a ideia

Cerne de coronilha, pra uma noite longa e fria
Labaredas, que reboleiam suas chamas, em plateia

É por volta dele, que rodeia a gauchada e a cuscada
Contam histórias, vitória e guerra, em rédeas pampeana

O calor que emana, distribui silencio a quem escuta
E um lobuna, solto ao campo, em sentido de campana

As chamas governam a noite, encorajadas pela guerra
O tição, que de longe é conduzido, escuta o que não agrada

Contos que ilustram, uma luta gaúcha pela terra
E la fora, pousa fria e sem pena, um vento em geada

Uma luz que queima e ilumina, trás pra mente
O legado antepassado, que esta dentro da gente

O mate que se renova, uma, duas ou até mais vezes
Sorvido pela água, que aquele fogo, se fez fervente

No galpão ou fora dele, a vida se repete como um ciclo
O ritual é infinito, todo dia, no fim da lida o fogo volta

E os campeiros, na volta dele, são detentores dos fatos
Sempre do mesmo jeito, no mesmo fogo se conta a revolta


Marcos Alves.

Se desejar ler outros versos, acesse este link: http://versosalmaepropriedade.blogspot.com.br/

terça-feira, 8 de março de 2016

Amor de Interior

Me agrada contar uma verdade, coisa minha
Algo que me aconteceu, lá no meu interior

Terra que nasci, destinada a vida campeira
Gritos de quero-quero e volteios de beija-flor

Desenrolo este conto, seivando um amargo
Vou remoendo, mas não farei grandes floreios

Estico a prosa, mas é apenas no início
Foram léguas de estrada, agora, puxei os freios

No caminho da obrigação, minhas tarefas
Campo e cavalo e os tratos do galpão

Foi de relancina, numa cruzada corriqueira
Pelo correr do dia, eu avistei, e que satisfação

Pela retina, uma luz tão bela, me arrebatou
A mais formosa china, moça direita e de família

Numa balda costumeira, mirei seus olhos, e me achei
Atarantado, tomei tenência, respirei, e aprontei a matilha

Por muito tempo, foi o mesmo amanhecer, nada mudava
Mas naquele dia, o destino achou seu curso, e o patrão me regalou

Sou primitivo, índio grosso, lida e cavalo é meu ofício
Mesmo assim, seria uma desfeita, e de pronto eu meu vou

Num trote compassado, logo fui ao seu encontro, e ela na janela
Um presente do céu, pra juntos matear nas manhãs orvalhadas

Moça de porte refinado, belos trajes e lindos cabelos
Fui de manso, disse minhas pretensões, deixo até as cavalhadas

No traquejo das palavras, fui conduzido o momento
Mesmo ainda, sem saber sua graça, já tinha certo

O amor que me palpitava, já era um baita sentimento
E já sem chapéu, queria chegar ainda mais perto

Mais não foi assim de lambuja, precisei merecer
E de fato conquistei, e a minha alma, agora tinha dona

Num sentido amplo da palavra amor, eu afirmo
Nunca mais, uma noite seria gaviona

E de sol a sol, até o rancho se aprontar, de certo não ia parar
E foi na igreja, com ela, nossos mates consagrar

O padre, em seu ritual divino, há de confirmar
Eu e ela, pra sempre, depois do altar

Este conto, uma verdade, Deus me destinou
Este amor charrua, eterno, que me consagrou

Marcos Alves.

Se desejar ler outros versos, acesse este link: http://versosalmaepropriedade.blogspot.com.br/